Histórias remotas por trás das melodias
Por Michel Sales
Situar conceitos
históricos por meio da música é uma das maneiras mais instigantes de
apreciação. E são diversas as bandas de Heavy Metal que replicam fatos
importantes do passado intercalando com a contemporaneidade.
O #RottingChrist, por
exemplo, é um grupo singular no Black Metal que sem hesitação resvala, mexe e
destrincha o legado remoto e milenar de sua Grécia, estimando arte, língua, batalhas, poesia, política, religião e conquistas. O sexto álbum da
banda, o simplório "Khornos" (2000) referiu o Rotting Christ buscando uma nova
identidade, onde praticaram uma sonoridade mais Heavy/Thrash sob a produção de
Sakis Tolis e Peter Tagtgren no Abyss Studios, na Suécia.
O álbum é
interessantíssimo na discografia da banda e facilmente está entre os melhores,
embora não agregue nada novo no cenário Metal, mas o que chama atenção nesta
saga musical é sua mensagem sobre o "Tempo", referindo a mitologia dos titãs,
filhos de Urano (o céu estrelado) e Gaia (a Terra), filhos mais velhos de
Oceano e Tétis.
Khronos foi o rei dos
titãs, possuidor de um caráter destrutivo, sempre regendo e devorando o destino
de todos. Casado com sua irmã Reia, Khronos devorou a maioria de seus filhos:
Héstia, Deméter, Hera, Hades e Poseidon, exceto Zeus, que o acorrentou no
Tártaro com os demais titãs, mas logo Khronos seria perdoado e governaria os
Campos Elísios, lugar dos mortos bem-aventurados.
Já em 2002, o Rotting
Christ lançou seu sétimo disco, o gótico "Genesis". Um álbum fascinante, embora
tenha demonstrado uma sonoridade um tanto perdida em sua essência mais ríspida
no Black Metal. Genesis ao menos propôs reorganizar as ideias do Rotting Christ
numa demonstração de suas origens, nascimento.
O disco foi produzido por
Andy Classen, no Stage-One-Studio, na Alemanha. No mais, Genesis é muito bom e
embora não seja conceitual, o álbum remeteu ao sagrado, acentuando o primeiro
livro da Bíblia Cristã, história que antecede o Êxodo, livro que faz parte do
Pentateuco. No contexto bíblico, Genesis configura o bem e o mal, narrando a criação
do mundo e da humanidade.
Em 2004, o Rotting Christ
lançou seu oitavo álbum, "Sanctus Diavolos", um disco promissor, onde o
quarteto deslanchou sua sonoridade Black Metal de outros tempos. Porém, o álbum
não rendeu entusiasmo tanto quanto "Theogonia" (2007), nono disco dos caras,
onde eles introduziram muita criatividade, personificando a identidade do
Rotting Christ de um jeito mais tribal, épico, melodioso e obscuro, fatores que
se tornaram preponderantes em seu som, desde então, inclusive referindo novas
linguagens.
Theogonia, não é um disco
totalmente conceitual, mas a banda apostou novamente em uma simbologia
cativante, a Genealogia dos Deuses Gregos, baseada em um poema mitológico de
1022 por Hesíodo, no século VIII a.C. A narrativa origina os heróis divinos
representando fenômenos ou aspectos da natureza humana e a constituição do
universo, onde na gênese ocorre o caos, a escuridão, o amor, o dia, a noite, o
céu e a água.
Então, chegamos em 2010,
quando o Rotting Christ lançou "Aealo", 10º disco da banda e que também
caracterizou toda a atmosfera criativa originária em Theogonia. Porém, Aealo
está um degrau acima. O vocalista Sakis Tolis afirmou que o significado de
Aealo é surra, catástrofe ou destruição, fatores refletidos no disco.
A capa de Aealo é sensacional e referiu a face apodrecida do rei e general espartano Leónidas I (491 a.C.), que defendeu o desfiladeiro das Termópilas com aproximadamente 7.000 homens, sendo que apenas 300 eram espartanos. Eles conseguiram repelir alguns ataques, mas Xerxes I, rei da Pérsia, foi auxiliado por Efialtes, um pastor local que conduziu Xerxes por um contorno e pôde cercar Leónidas e seu exército que resistiu até a morte.
Já o ano de 2013 pariu o
11º álbum do Rotting Christ, "Κατά τον δαίμονα εαυτού", subtendido como "Faça o
que quiser", uma citação associada a Aleister Crowley e a seita Thelema,
segundo Sakis Tolis. Curiosamente, a mesma frase pode ser conferida em grego na
lápide de Jim Morrison. Kata Ton Daimona Eaytoy mergulhou na mitologia inca,
maia, persa, eslava, babilônica e grega, ou seja, Sakis remontou uma jornada de
conhecimentos sobre as civilizações antigas, referindo a linguagem e o
ocultismo do passado.
O disco possui uma
masterização reconstrutiva e revigoradora para as novas facetas incorporadas ao
Black Metal da banda, referidas pelo produtor sueco Jens Bogren que assumiu as
rédeas do grupo e levou a sonoridade do quarteto ao clímax do extremo, desde então.
Particularmente, considero o melhor disco da banda, mas não o ápice do Rotting
Christ.
Agora, o ano é 2016,
quando o Rotting Christ lançou o fantástico "Rituals", 12º petardo dos gregos,
álbum que logo obteve repercussão notória no mundo, estreando no número 14 nas
paradas da Billboard Heatseekers e na posição 10 da IFPI da Grécia. Rituals até
soa como um disco conceitual, remetendo orações pagãs, ocultismo e citações de
referências consagradas como William Blake e Charles Baudelaire. O álbum também
contou com várias participações, dentre eles, Michael „Vorph‟ Locher (Samael) e
Nick Holmes (Paradise Lost, Bloodbath).
Cruel, bestial, profano,
catedrático, religioso e apocalíptico, estes adjetivos fortes referem
demasiadamente a qualidade do "The Heretics" (2019), 13º petardo do Rotting
Christ, um disco que flertou experiências diversas de Sakis Tolis, sobretudo,
com suas ideias apontando o dedo médio para as crendices humanas, as
conspirações e reverência ao fogo. No mais, The Heretics é um tributo a filosofia
fúnebre dos hereges Edgar Allan Poe, Voltaire, Friedrich Nietzsche, Thomas
Paine e Martin Twain.
Até o momento, considero
The Heretics o ápice da carreira do Rotting Christ, um álbum atmosférico,
agressivo e ao mesmo tempo melódico, recheado de cantos gregorianos e solos de
guitarra memoráveis que energizaram o projeto. No mais, que venham mais discos
como estes e vida eterna ao "Cristo Apodrecido".
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