domingo, 19 de outubro de 2025

SCORPIONS

A humanidade em contagem regressiva

Por Michel Sales

 

Depois de flertar com formatos mais brandos nos anos 90, o Scorpions ressurge em Humanity: Hour I (2007) com a ambição de um álbum conceitual: um panorama de colapso civilizatório, onde tecnologia descontrolada, guerra e cinismo corroem os elos que nos mantêm humanos.

A produção de Desmond Child, com James Michael na co-produção, dá verniz radiofônico ao hard rock melódico da banda — camadas de guitarras, refrões largos, e Klaus Meine em plena forma, guiando a narrativa com dicção cristalina.

A abertura, “Hour I”, funciona como sirene: riff cortante, andamento marcial, e um refrão que estabelece o tom apocalíptico. “The Game of Life” mantém a pressão com um gancho eficiente, enquanto “We Were Born to Fly” entrega a assinatura melódica que fez a fama do grupo, desta vez com uma sensibilidade pop calculada por Child.

As baladas — “The Future Never Dies” e “Love Will Keep Us Alive” — ocupam o espaço emocional do conceito: se o enredo fala de erosão ética, são essas faixas que oferecem respiro e uma ideia de redenção possível. Já “321” devolve o peso sem sacrificar a acessibilidade, e “The Cross”, com participação de Billy Corgan, insere um timbre levemente sombrio que expande a paleta do disco.

O mérito maior está na coesão: as letras orbitam os mesmos eixos (desumanização, manipulação, escolhas morais), e a sequência de faixas sustenta a ideia de “hora zero” — um momento de virada, tanto para a humanidade quanto para a própria banda, que reencontra um ponto de equilíbrio entre o hard rock setentista/oitentista e a produção dos anos 2000. Em alguns trechos, a mão de Desmond Child pesa: certos refrões soam “certinhos” demais, lustrados para o FM. Mas, no conjunto, o brilho serve à proposta.

Rudolf Schenker e Matthias Jabs voltam a dialogar com química, James Kottak regula a dinâmica com batidas firmes, e Paweł Mąciwoda sustenta o chão sem exibicionismo. Não é uma ruptura estética, é um ajuste de foco: um Scorpions consciente do próprio legado, atualizando sua linguagem para contar uma fábula distópica com pretensão de arena.

No mais, Humanity: Hour I é um retorno vigoroso e surpreendentemente coeso — menos nostalgia, mais narrativa. Para entrar de cabeça: “Hour I”, “The Game of Life”, “We Were Born to Fly”, “The Future Never Dies”, “321” e “The Cross”.

Nota: 10

Nenhum comentário:

Postar um comentário

SCORPIONS

A humanidade em contagem regressiva Por Michel Sales   Depois de flertar com formatos mais brandos nos anos 90, o Scorpions ressurge e...